sexta-feira, 16 de março de 2012

Sobre “AQUILO QUE MEU OLHAR GUARDOU PARA VOCÊ” do Grupo Magiluth

Quando cheguei no Recife, há mais de um ano, fui logo vasculhar o teatro que faziam por aqui. Sabia de antemão que a cultura pernambucana se mostrava rica e produtiva na música e na dança, mas se “quem procura acha”, quem acha se surpreende. Existe o risco, claro. Como prefiro sempre corrê-lo (afinal, o que é a vida senão um eterno risco?), compartilho aqui uma surpresa boa.

No decorrer desse período, enquanto futucava aqui e ali entre palcos giratórios, janeiros, festivais locais, espaços alternativos e agendas culturais, descobri preciosidades no teatro pernambucano. E ainda era 2011 e recordo-me vagamente de ter visto, num certo dia, um cartaz modesto na Fundação Joaquim Nabuco que anunciava a peça “O Canto de Gregório”, de um certo Grupo Magiluth. O tempo passou e acabei não indo ouvir o tal do canto, mas hoje decidi ir ver “o que tinham guardado para mim”.

“AQUILO QUE MEU OLHAR GUARDOU PARA VOCÊ” é a nova peça do Grupo Magiluth e estreou no 18º Janeiro de Grandes Espetáculos, neste ano, e pelos comentários fortuitos, ouvidos por aí no boca-a-boca – o grupo parece preferir esse tipo de divulgação – o negócio era dos bons. Fui verificar. E sim, o negócio é dos melhores!

Saí da peça com um sentimento reconfortante: é possível um novo teatro! É possível um teatro contemporâneo de qualidade, realizado por gente jovem, e jovens bons de serviço!

O trabalho do grupo oferece um festival de qualidade: boa dramaturgia, ótima dinâmica entre os atores, uma disposição sincera para interação com o público e excelentes atuações, aliás, uma verdade cênica emocionante que impossibilita indiferença. Não há como passar ileso - sem enxergar a si próprio ou um pedaço de sua história - por alguma das cenas propostas pelo grupo. O discurso de abandono que Giordano exala no início do espetáculo é de uma visceralidade tão latente, tão pertinente ao nosso interior clamoroso por companhia e temeroso de despedidas que faz-nos sentir usurpado: aquele texto já foi meu! Afinal, quem nunca teve que dar adeus a uma história e chegou a desejar que tudo o que lembrasse o passado em conjunto sumisse de uma vez por todas? O cheiro da fumaça do cigarro na cama poderia incomodar. E se esquecesse o carregador do celular aqui? Não! Leva embora tudo, até aquele meu shorts que você usava mais que eu! Leva, é presente. ...é passado.

A peça aborda os mais variados temas, utilizando como fio mediador fotos de diferentes temáticas refletidas ao longo do cenário através de um celular, todas tiradas na cidade do Recife. Cada foto deve ter tido sua história particular no processo de criação do trabalho, motivando o desenvolvimento dos temas propostos. A colagem final é digna de aplauso em pé.

Uma cena plasticamente encantadora é quando, em black-out, começam a surgir várias piscadelas aleatórias, produzidas com um rápido estalar em isqueiros. Por si só aquilo comunica muito: pode representar as diversas fagulhas de pensamento que ali são fervilhantes entre os espectadores; mas pode representar outra coisa e você assistindo terá milhões de ideias, e emoções. E toco aqui no que parece ser o principal objetivo do grupo: emocionar, fazer sentir. E sentir pode doer – como um beliscão – ou tocar como o vento – como um beijo... O importante é se deixar sentir. Sentir o mundo. Sentir o outro. Sentir o momento.

Também há espaço para protesto político: Magiluth de repente se irrita ao ver a Prefeitura do Recife indenizar com mesquinhos cinco mil reais a população do Pina - para que evacuem a ocupação dispondo o terreno para futuras instalações da Via Mangue, quando na sede do governo há carros blindados sendo alugados por duzentos mil reais. Logo em seguida, o próprio grupo se pergunta o porquê do protesto, colocando em xeque nossa posição aqui, nesse universo dúbio: para quê tudo isso se no final todos vamos morrer? Ficar feliz com uma família correndo no parque no fim de semana, levando o labrador pra passear, fazendo carinha de feliz na propaganda do banco? Que objetivo tem tudo isso? Que objetivo tem o viver?

A resposta parece vir numa carta deixada a um pai anônimo: ele vai ser avô. E o filho promete: este será um pai melhor que o destinatário da carta o foi para ele. No final da carta demonstra a vontade de que seu filho seja um pai ainda melhor para seu neto. E nesse desejo de sucessão de melhorias, o Grupo Magiluth parece acreditar na evolução. Não na esperaça, porque a esperança é triste, ficando sempre a esperar. O melhor é realizar, evoluir de fato. Que a vida, então, seja longa para essa turma de novos fazedores do teatro, e que tenham muitos novos olhares a nos mostrar. E mostrar a mais gente, porque são muitos os que precisam ter contato com essa nova forma de fazer teatro. O grupo precisa ampliar sua cadeia de divulgação para complementar a propaganda boca-a-boca, pleiteando alcançar mais pessoas e mais lugares. Afinal, a tradição de manter e inovar o bom teatro precisa ser continuada. Viva o Grupo Magiluth! Viva o teatro de qualidade!